Direitos Humanos - Universalismo ou Pacifismo Seletivo?
Claudomiro Batista de Oliveira Junior
Bacharel em Direito.
Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Desde a divulgação da Declaração
Universal dos Direitos Humanos pela Organização
das Nações Unidas, após a Segunda Guerra
Mundial, que se convencionou considerar que os direitos da pessoa
humana eram universais, atemporais e que deveriam ser aplicados
a todos os povos, independentemente de sua cor, raça, credo
ou sexo.
Quando uso o termo convencionar,
eu o emprego para lembrar que o conceito de direitos humanos e
respeito à lei, é um conceito, essencialmente, Ocidental
de forte inspiração jusnaturalista que foi, pelo
menos, formalmente, comprada pelos representantes dos estados-membros
da ONU. Por si só, esse fato já tornaria bastante
complexa a aplicação prática dos seus efeitos,
uma vez que o mundo, muito ao contrário do que faz parecer
o atual momento de globalização é muito mais
fragmentado do que parece, estando dividido não somente
por diferenças de renda e de níveis de desenvolvimento.
A principal divisão do mundo hoje está calcada na
existência, nem sempre harmônica, de várias
civilizações diversas que compõem a atual
comunidade global, tal como já exposto por Samuel Huntington
em sua magistral obra, "O Choque de Civilizações".
Cada uma dessas Civilizações
tem a sua maneira peculiar de encarar os direitos e garantias
fundamentais dos seus membros. Dentro da Civilização
Islâmica, a soberania divina e a supremacia da religião
sobre a lei e o estado estão muito acima de quaisquer outras
necessidades. Nos estados do extremo oriente, o bem-estar da coletividade,
seja ao nível de sociedade ou familiar é considerado
mais importante do que a felicidade individual.
O que por si só já
seria de aplicação bastante complexa, é agravado
pelo fato de que ao redor do mundo e no Brasil em particular,
é que existe uma brutal incongruência na aplicação
e na defesa dos direitos humanos por parte dos seus defensores.
O caso se tornou mais patente com o fuzilamento no mês passado
de três dissidentes políticos cubanos e a prisão
de 72 dissidentes políticos. Por mais bizarro que possa
parecer apareceram na mídia intelectuais (?!) defendendo
não somente o ato mas como também um regime que
atua com acentuado desdém pelos direitos da pessoa humana.
A começar pelo ato do fuzilamento em si. Não vamos
entrar aqui no mérito da interminável e tediosa
discussão sobre a legitimidade ou não da pena de
morte.
Vamos começar o nosso
exercício de raciocínio partindo do pressuposto
de que ela é um fato admitido no ordenamento jurídico
do estado supracitado.
Se no entanto, ela é admitida de alguma forma nessa nação,
haveria a hipótese legal dela poder ser aplicada a um fato
tão insignificante quanto uma tentativa de fuga (admitindo-se
se seria lícito manter a população em um
status análogo ao cárcere...) do país? Teríamos
aí violado o princípio de que não há
crime e muito menos pena sem lei anterior que a preveja.
Qualquer acadêmico de direito dotado de mínimos conhecimentos
jurídicos pode perceber uma evidente desproporção
entre o suposto delito e a penalização aplicada.
Nesse contexto não tenho como deixar de mais uma vez proclamar
a minha admiração pelo Código de Hamurábi,
que comparado à legislação supracitada possui
um caráter progressista ao ter como princípio básico
o "olho por olho, dente por dente" que consagrou pela
primeira vez na história, o princípio da proporcionalidade
entre delito e pena. E isto há quase 4 mil anos atrás...
Outro fator que espantou no presente caso, foi a assombrosa "celeridade
processual" aonde os acusados foram "julgados",
condenados e executados em um prazo de meros três dias.
Aonde foi que ficaram os princípios do contraditório
e da ampla defesa? Com certeza foram parar no paredón,
junto com os condenados. As mesmas pessoas que aplaudiram ou justificaram
essas medidas, são as mesmas que vituperam contra a aplicação
da pena de morte nos EUA aonde um processo desta natureza tende
a levar em média de sete a dez anos, uma vez que lá
é garantido ao acusado o princípio legal mínimo
a ser seguido em qualquer sociedade minimamente civilizada: todos
são inocentes até que se prove o contrário.
O curioso é ver a atuação dessas pessoas,
com a descarada aplicação de dois pesos, duas medidas,
aonde se considera por motivos ideológicos, que a aplicação
da pena de morte é absurda, por exemplo nos EUA ou no Brasil
mas justificável em nome de uma pretensa e vaga "justiça
revolucionária", aonde a interpretação
e os critérios legais de aplicação da pena
ficam sob a responsabilidade de meia dúzia de "iluminados".
Lembremo-nos que em nome desta pretensa "justiça social",
pelo menos 50 milhões de pessoas foram mortas sem direito
à defesa ou um julgamento digno do nome, por ditadores
como Stálin ou Mão. Como então admitir que
esses indivíduos aplaudam a pena em um momento e no outro
condenem (com razão) a violência policial no Brasil?
Como podemos escutar, sem ter náuseas estas pessoas expressarem
apoio à regimes como os do Iraque ou Coréia do Norte,
enquanto condenam o regime militar que vigorou no Brasil, que
mesmo com todos os seus abusos, se constitui em um modelo de doçura,
comparado aos estados acima citados?
Admitir a justeza deste tipo de punição ao sabor
dos critérios de simpatia ideológica é negar
a natureza universal dos direitos da pessoa humana.
A tortura feita em uma delegacia no Brasil, é tão
desumana quanto a feita em uma prisão em Cuba ou no Iraque.
Para os opositores da pena de morte, a sua aplicação
deveria ser inadmissível em qualquer ponto do globo, sob
qualquer pretexto.
Se existe realmente o desejo de se fortalecer ou ampliar o alcance
e a universalidade dos direitos humanos, então ou estas
questões passam a serem abordadas como realmente universais
ou então que se adote um casuísmo rasteiro ao sabor
dos humores ideológicos de plantão.